quarta-feira, 26 de junho de 2013

O que tem mais valor: afeto ou sangue?

O que tem mais valor: afeto ou sangue?

Publicado por Moradei & Souto Advogados - 3 semanas atrás
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Por Carla Moradei Tardelli e Leandro Souto da Silva
“Quem sai aos seus não degenera”, “sangue é sangue”, “Deus é pai, não é padrasto”.
A tal chamada “sabedoria popular” é repleta de exemplos que valorizam as ligações biológicas, colocando-as como as mais importantes nas relações humanas.
Sempre há alguém estigmatizando as figuras afetivas que não carregam determinada carga genética, desvalorizando o amor que podem ter por uma ou outra pessoa. Sogras e madrastas são usualmente vistas como pouco confiáveis, merecedoras de um ditado popular bastante agressivo: “sogra e madrasta nem o Diabo arrasta”. Se ocorre algo de ruim a uma criança que vive longe dos pais biológicos, há sempre alguém com o dedo em riste, criticando quem cuida ou se responsabiliza por ela na falta dos que a geraram.
Ainda bem que os tempos estão sofrendo transformações importantes e mudanças sociais e familiares têm permitido, pouco a pouco, que se perceba o valor aos laços amorosos que permeiam as relações, independentemente de laços físicos/biológicos. Surge, assim, o conceito de socioafetividade.
Juridicamente esse novo paradigma vem se consolidando. A socioafetividade está sendo cada vez mais considerada pelos magistrados, em decisões de primeiro e segundo graus, principalmente em situações envolvendo crianças, adolescentes e casais, sejam hetero ou homoafetivos.
Com as rápidas alterações no campo do Direito de Família, uma área conhecimento jurídico muito dinâmica, a noção de socioafetividade vem ganhando espaço significativo. O divórcio, a formação de novos núcleos familiares, a presença de membros que vem de outras relações, tudo isso faz com que a família nuclear perca espaço e os vínculos sanguíneos deem lugar aos de afeto, mais fortes e espontâneos, conquistados na convivência harmônica e baseada no respeito às diferentes histórias de vida que cada um traz consigo.
Falemos sobre crianças. Muitas vezes os laços sanguíneos entre pais e filhos não são fortes o bastante para mantê-los unidos e, em situações extremas, podem nada significar. Nesses casos, a adoção ou institucionalização são as alternativas para a proteção dos segundos.
Uma criança precisa se vincular a figuras de afeto para que se desenvolva e consegue fazer isso com pessoas que não tem com ela qualquer ligação biológica. O que as une são os cuidados diários, o carinho, a convivência, enfim, o amor construído no dia a dia. Não há sangue; há construção de vínculos.
A ligação sanguínea não garante o surgimento do amor, do afeto. A convivência saudável, sim. Um casal homoafetivo pode estabelecer com um filho adotado um vínculo de amor extremamente forte, que nunca seria estabelecido com os pais biológicos que o rejeitaram e acabaram por abandoná-lo ao cuidado estatal, em uma instituição de acolhimento.
Determinado adolescente pode se relacionar muito bem com o atual companheiro de sua mãe, recebendo dele maior atenção do que a oferecida pelo pai biológico, que talvez não reúna recursos emocionais para interagir de forma amorosa com o próprio filho.
A Justiça acompanha essa evolução, já permitindo, até mesmo, a inclusão de mais do que dois genitores no documento de registro de uma pessoa. São as chamadas famílias multiparentais. O que prevalece nessas situações é a “filiação por afeto”.
Em casos em que um juiz deve decidir sobre qual vínculo deve ser estabelecido, há uma forte tendência no prevalecimento da filiação socioafetiva. É evidente que o amor não nasce entre duas pessoas apenas por partilharem a carga genética, mas da convivência, da aceitação, do acolhimento, do que é construído no cotidiano e o Direito de Família tem caminhado nesse sentido.
Importante salientar que tais medidas não desprestigiam a filiação biológica, mas sim, por uma questão de preservação da dignidade da pessoa humana, valoriza-se aquela situação em que o vínculo afetivo seja mentido e priorizado.
Em outras palavras, é uma questão não só de lógica, mas também de humanidade que o amor prevaleça sobre o documento e o patrimônio.
A posse de estado de filho deve ser analisada levando-se em consideração a questão do carinho, do afeto, do amor e da melhor condição de convivência, não a letra fria da lei e a burocracia cega das instituições.
Assumirmos esse papel significa andarmos a passos largos rumo a modernidade.
Permitirmos que o afeto perca para o sangue é renunciar a toda evolução pela qual passamos e assumir a fragmentação de famílias há muito consolidadas.
O ditado popular que prevalece, já que nem sempre “quem pariu Mateus tem condições de embalá-lo”, é o mais carinhoso e livre de obrigações, “PAI É QUEM CRIA”.

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